China acelera no “salto quântico”: máquina chinesa resolve em 200 segundos o que levaria 2,5 bilhões de anos
- lmbelo94
- 20 de out.
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O feito do grupo da Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC) com o computador fotônico Jiuzhang reacendeu o debate sobre “vantagem quântica”. Entenda o que foi calculado, por que a estimativa de bilhões de anos aparece nas manchetes e qual a diferença entre um computador quântico e um tradicional.
O que, de fato, aconteceu
Em 3 de dezembro de 2020, pesquisadores da USTC anunciaram que o computador quântico fotônico Jiuzhang realizou, em 200 segundos, uma tarefa de amostragem de bósons (Gaussian Boson Sampling) considerada impraticável para supercomputadores clássicos. Pelas estimativas dos autores, um supercomputador levaria até 2,5 bilhões de anos para simular o mesmo experimento nos moldes clássicos — daí a comparação que ganhou os títulos de jornais.
A cifra é impressionante, mas vale o contexto: não se trata de “qualquer problema do dia a dia”, e sim de um benchmark altamente específico que explora a física de fótons em um interferômetro. É um marco técnico chamado vantagem (ou supremacia) quântica: demonstrar que, para uma tarefa particular, um dispositivo quântico executa algo que seria inviável para máquinas clássicas.
Desde então, o mesmo ecossistema chinês apresentou outros avanços, como os processadores Zuchongzhi (supercondutores), com resultados de amostragem de circuitos aleatórios concluídos em cerca de 1,2 hora, contra estimados 8 anos nos melhores supercomputadores à época — uma segunda rota tecnológica em que a China também reivindicou vantagem quântica.
Mas… o que é exatamente “amostragem de bósons”?
É um problema onde várias fontes de luz comprimida (fótons) entram em um arranjo óptico (um interferômetro) e saem distribuídas entre detectores. Calcular, de forma clássica, a probabilidade de cada padrão de saídas envolve estruturas matemáticas (permanentes/ Hafnians de grandes matrizes) que explodem em complexidade. O Jiuzhang gera amostras desses padrões diretamente no hardware fotônico — é isso que ele fez em segundos.
(Mais detalhes podem ser encontrados no artigo: Quantum computational advantage using photons)
Por que “bilhões de anos”?
As equipes compararam o tempo estimado para um supercomputador (como Sunway TaihuLight ou Fugaku) simular a mesma distribuição de probabilidades com fidelidade semelhante. Dependendo do método de simulação e dos parâmetros, as estimativas variam (centenas de milhões a bilhões de anos); a formulação mais citada é a de 2,5 bilhões de anos para um cenário específico. O objetivo é ilustrar a ordem de grandeza do abismo de desempenho para aquele benchmark — não significa que toda tarefa útil do mundo terá o mesmo ganho.
O que muda para matemática, ciência e indústria?
Talvez esta seja a pergunta que você tenha em mente. Vou listar algumas possíveis mudanças:
- Simulação de sistemas físicos e químicos: dispositivos fotônicos e supercondutores podem, progressivamente, acelerar modelagem de materiais, reações e fertilizantes/ baterias — áreas com forte base matemática (álgebra linear, grafos, otimização). Atualmente, dispomos de uma quantidade imensa de dados e nem sempre simulações, mesmo usando técnicas bem "espertas", são obtidas rapidamente. Por isso, uma computação com esse nível de rapidez poderá ajudar muito! 
- Criptografia: o feito não “quebra o RSA amanhã”. O Jiuzhang faz amostragem de bósons; fatoração eficiente depende do algoritmo de Shor com qubits lógicos estáveis, algo ainda distante. A área de criptografia pós-quântica avança justamente para mitigar esse risco futuro. 
O que é um computador quântico?
Até o momento do artigo foi discutido o resultado e alguns impactos, mas o que seria um computador quântico afinal? Vamos fazer um paralelo com o "computador convencional".
Imagine uma fileira de lanternas num túnel escuro. Um computador comum acende uma lanterna por vez, entra num corredor, volta, tenta o próximo — metódico, paciente, eficiente quando o mapa é simples. Um computador quântico, por outro lado, espalha “lanterninhas” por vários corredores ao mesmo tempo. Elas percorrem caminhos em paralelo e, no final, fazem um truque curioso: combinam-se como ondas na água. As que passaram por corredores errados se apagam mutuamente; a que foi pelo caminho certo fica mais brilhante. Aí, sim, acendemos a luz de verdade — a medição — e seguimos a lanterna que sobrou com mais intensidade.
Uma outra maneira de ver é pensar numa bússola minúscula. No computador clássico, o ponteiro só pode apontar para norte (0) ou sul (1). No quântico, essa bússola pode ficar em qualquer direção entre um extremo e outro enquanto ninguém a observa. É como se dissesse: “Estou inclinada para 0, mas com um quê de 1.” Várias bússolas juntas — os qubits — podem ainda ficar “combinadas” de um jeito especial: se você mexe numa, a outra reage de forma correlacionada, mesmo longe.
Um computador clássico guarda informações em bits (0 ou 1) e executa operações determinísticas. Um computador quântico usa qubits, que podem estar em superposição (0 e 1 ao mesmo tempo) e emaranhados (correlações não clássicas). Isso permite amostrar e explorar muitas possibilidades em paralelo físico, interferindo para realçar respostas corretas e suprimir incorretas. Resultado: para certos problemas (como os benchmarks acima), ele escala muito melhor. Para outros, um PC tradicional segue imbatível.
Diferenças em 30 segundos
- Unidade de informação: bit (clássico) vs. qubit (quântico). 
- Paralelismo: clássico usa paralelismo lógico; quântico explora superposição e interferência física. 
- Erros: clássicos já têm correção madura; quânticos exigem técnicas complexas (e mais qubits) para tolerância a falhas. 
- Aplicações: hoje, quânticos brilham em benchmarks de amostragem e simulação; clássicos dominam cálculo geral. 
Ps: Num outro post futuro posso trazer detalhes mais técnicos sobre computação quântica.
Leituras e referências citadas
- DeFato Online — “China quebra tudo e cria supercomputador capaz de fazer operação de 2,5 bilhões de anos em segundos” (23 set 2025) 
- Science (2020): vantagem quântica fotônica com Jiuzhang (200 s; estimativa de 2,5 bilhões de anos em clássico). 
- Newscientist (USTC) (2020): A quantum computer that measures light has achieved quantum supremacy 

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